tag:blogger.com,1999:blog-31041154395355758432024-03-13T13:02:15.725-03:00Paisagens MentaisPoesias para um mundo seco. Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.comBlogger129125tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-44751400000945478892021-03-26T10:29:00.001-03:002021-03-26T10:29:08.268-03:00A União Livre<p>Minha mulher com a cabeleira de fogo de lenha</p><p>Com pensamentos de relâmpagos de calor</p><p>Com a cintura de ampulheta</p><p>Minha mulher com a cintura de lontra entre os dentes de tigre</p><p>Minha mulher com a boca de emblema e de buquê de estrelas de primeira grandeza</p><p>Com dentes de rastros de rato branco sobre a terra branca</p><p>Com a língua de âmbar e vidro friccionado</p><p>Minha mulher com a língua de hóstia apunhalada</p><p>Com a língua de boneca que abre e fecha os olhos</p><p>Com a língua de pedra inacreditável</p><p>Minha mulher com cílios de lápis de cor para crianças</p><p>Com sobrancelhas de borda de ninho de andorinha</p><p>Minha mulher com têmporas de ardósia de teto de estufa</p><p>E de vapor nos vidros</p><p>Minha mulher com ombros de champanhe</p><p>E de fonte com cabeças de golfinhos sob o gelo</p><p>Minha mulher com pulsos de palitos de fósforo</p><p>Minha mulher com dedos de acaso e ás de copas</p><p>Com dedos de feno ceifado</p><p>Minha mulher com as axilas de marta e faia</p><p>De noite de São João</p><p>De ligustro e de ninho de carás</p><p>Com braços de espuma de mar e de eclusa</p><p>E mistura do trigo e do moinho</p><p>Minha mulher com pernas de foguete</p><p>Com movimentos de relojoaria e desespero</p><p>Minha mulher com panturrilhas de polpa de sabugueiro</p><p>Minha mulher com pés de iniciais</p><p>Com pés de molhos de chaves com pés de calafates que bebem</p><p>Minha mulher com pescoço de cevada perolada</p><p>Minha mulher com a garganta do Vale do Ouro</p><p>De encontro no próprio leito da correnteza</p><p>Com os seios de noite</p><p>Minha mulher com os seios de toupeira marinha</p><p>Minha mulher com os seios de crisol de rubis</p><p>Com os seios de espectro da rosa sob o orvalho</p><p>Minha mulher com o ventre a desdobrar-se no leque dos dias</p><p>Com ventre de garra gigante</p><p>Minha mulher com o dorso de pássaro que voa vertical</p><p>Com dorso de mercúrio</p><p>Com dorso de luz</p><p>Com a nuca de pedra rolada e giz molhado</p><p>E queda de um copo do qual se acaba de beber</p><p>Minha mulher com os quadris de escaler</p><p>Com os quadris de lustre e penas de flecha</p><p>E de caule de plumas de pavão branco</p><p>De balança insensível</p><p>Minha mulher com nádegas de arenito e amianto</p><p>Minha mulher com nádegas de dorso de cisne</p><p>Minha mulher com nádegas de primavera</p><p>Com sexo de lírio roxo</p><p>Minha mulher com o sexo de jazida de ouro e de ornitorrinco</p><p>Minha mulher com o sexo de algas e bombons antigos</p><p>Minha mulher com o sexo de espelho</p><p>Minha mulher com olhos cheios de lágrimas</p><p>Com olhos de panóplia violeta e agulha imantada</p><p>Minha mulher com olhos de savana</p><p>Minha mulher com olhos d’água para beber na prisão</p><p>Minha mulher com olhos de lenha sempre sob o machado</p><p>Com olhos de nível d’água de nível do ar de terra e de fogo.<br /><br />André Breton</p>Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-45435432225461970762021-03-04T11:02:00.000-03:002021-03-04T11:02:22.695-03:00Ocaso do século<p> Era para ter sido melhor que os outros o nosso século XX.</p><p>Agora já não tem mais jeito,</p><p>os anos estão contados,</p><p>os passos vacilantes,</p><p>a respiração curta.</p><p><br /></p><p>Coisas demais aconteceram,</p><p>que não eram para acontecer,</p><p>e o que era para ter sido</p><p>não foi.</p><p><br /></p><p>Era para se chegar à primavera</p><p>e à felicidade, entre outras coisas.</p><p><br /></p><p>Era para o medo deixar os vales e as montanhas.</p><p>Era para a verdade atingir o objetivo</p><p>mais depressa que a mentira.</p><p><br /></p><p>Era para já não mais ocorrerem</p><p>algumas desgraças:</p><p>a guerra por exemplo,</p><p>e a fome e assim por diante.</p><p><br /></p><p>Era para ter sido levada sério</p><p>a fraqueza dos indefesos,</p><p>a confiança e similares.</p><p><br /></p><p>Quem quis se alegrar com o mundo</p><p>depara com uma tarefa</p><p>de execução impossível.</p><p><br /></p><p>A burrice não é cômica.</p><p>A sabedoria não é alegre.</p><p>A esperança</p><p>já não é aquela bela jovem</p><p>et cetera, infelizmente.</p><p><br /></p><p>Era para Deus finalmente crer no homem</p><p>bom e forte</p><p>mas bom e forte</p><p>são ainda duas pessoas.</p><p><br /></p><p>Como viver – me perguntou alguém numa carta,</p><p>a quem eu pretendia fazer</p><p>a mesma pergunta.</p><p><br /></p><p>De novo e como sempre,</p><p>como se vê acima,</p><p>não há perguntas mais urgentes</p><p>do que as perguntas ingênuas.</p><p><br /></p><p>Wislawa Szymborska</p>Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-74833451736212028342021-01-26T10:31:00.004-03:002021-04-24T03:34:05.174-03:003021<p>No ano de 3021 </p><p>quando chegar a hora de sua morte </p><p>e as leis de pedra do mundo </p><p>ainda não houverem se diluído </p><p>no gotejar das águas doces </p><p>de sua rebeldia, </p><p>espero que arrebente uma veia </p><p>de seu punho sempre erguido </p><p>contra o deserto afetivo das mercadorias </p><p>e que volte a encher </p><p>os mares secos pelo aquecimento global </p><p>para unir os continentes </p><p>e os subversivos que confabulam</p><p>em árabe e em catalão</p><p>em notas musicais flamencas e em versos secretos </p><p>escritas em barcos de papel </p><p>que atravessam esses oceanos vermelhos </p><p>para aportar ao pé de sua tumba </p><p>ilha em que eu serei o único habitante </p><p>escavando a areia dourada de sua carne </p><p>para sacar a luz tesouros escondidos </p><p>por seus pensamentos anarquistas</p><p>como um pirata sedento pela riqueza imaterial </p><p>de seus devaneios revolucionários. <br /><br /></p><p>No ano de 3021</p><p>quando chegar a hora de minha morte</p><p>e as leis de pedra do mundo </p><p>ainda não houverem se diluído </p><p>no gotejar das águas doces </p><p>de minha rebeldia, </p><p>espero que arrebente uma veia </p><p>de seu punho sempre erguido </p><p>contra o deserto afetivo das mercadorias </p><p>e que inunde os aquários secos </p><p>aonde repousam em suas imensas cadeiras </p><p>adornadas de ouro presidentes múmias</p><p>esculpidos em golpes de estado </p><p>com suas expressões de soberba </p><p>conservadas por formol e por petróleo</p><p>criminosos afogados pelas águas vermelhas de seu corpo </p><p>o cristal das paredes despedaçados </p><p>como a queda do reino estátua </p><p>de ditadores criados pela caneta de um poeta burocrata </p><p>e que você possa navegar </p><p>no transbordamento líquido de sua raiva </p><p>até o pé de minha tumba </p><p>como uma bruxa renascida do fogo apagado da inquisição </p><p>para enviar a meu lado uma oração pagã </p><p>em homenagem aos esquecidos da guerra de classes </p><p>para com cada pedaço dessa memória destroçada </p><p>deixar uma poesia mosaico libertária </p><p>esculpida em minha lápide.<br /><br /></p><p>No ano de 3021 </p><p>quando chegar a hora de nossa morte </p><p>seremos espíritos livres </p><p>dançando esfumaçados as melodias fantasmas </p><p>composta por nossos amantes em vida </p><p>sobre a revolta definitiva </p><p>que vai se abater sobre o mundo.<br /><br /><br /></p>Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-48835985351585853342020-11-21T03:05:00.001-03:002020-11-21T03:05:54.217-03:00Meio-Termo<p><span style="font-family: inherit;">Ah, como tenho me enganado</span></p><p><span style="font-family: inherit;">como tenho me matado</span></p><p><span style="font-family: inherit;">por ter demais confiado</span></p><p><span style="font-family: inherit;">nas evidências do amor</span></p><p><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p><span style="font-family: inherit;">Como tenho andado certo</span></p><p><span style="font-family: inherit;">como tenho andado errado</span></p><p><span style="font-family: inherit;">por seu carinho inseguro</span></p><p><span style="font-family: inherit;">por meu caminho deserto</span></p><p><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p><span style="font-family: inherit;">Como tenho me encontrado</span></p><p><span style="font-family: inherit;">como tenho descoberto</span></p><p><span style="font-family: inherit;">a sombra leve da morte</span></p><p><span style="font-family: inherit;">passando sempre por perto</span></p><p><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p><span style="font-family: inherit;">E o sentimento mais breve</span></p><p><span style="font-family: inherit;">rola no ar e descreve</span></p><p><span style="font-family: inherit;">a eterna cicatriz</span></p><p><span style="font-family: inherit;">mais uma vez</span></p><p><span style="font-family: inherit;">mais de uma vez</span></p><p><span style="font-family: inherit;">quase que eu fui feliz</span></p><p><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p><span style="font-family: inherit;">A barra do amor</span></p><p><span style="font-family: inherit;">é que ele é meio ermo</span></p><p><span style="font-family: inherit;">a barra da morte</span></p><p><span style="font-family: inherit;">é que ela não tem meio termo. </span><br /><br />Antônio Carlos de Brito</p>Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-54104630565472960232019-11-13T19:31:00.000-03:002019-11-13T19:31:00.254-03:00A Piedade<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento<br />abatido na extrema paliçada<br />os professores falavam da vontade de dominar e da<br />luta pela vida<br />as senhoras católicas são piedosas<br />os comunistas são piedosos<br />os comerciantes são piedosos<br />só eu não sou piedoso<br />se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria<br />aos sábados à noite<br />eu seria um bom filho meus colegas me chamariam<br />cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio<br />bóia? por que prego afunda?<br />eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as<br />estátuas de fortes dentaduras<br />iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos<br />pederastas ou barbudos<br />eu me universalizaria no senso comum e eles diriam<br />que tenho todas as virtudes<br />eu não sou piedoso<br />eu nunca poderei ser piedoso<br />meus olhos retinem e tingem-se de verde<br />Os arranha-céus de carniça se decompõem nos<br />pavimentos<br />os adolescentes nas escolas bufam como cadelas<br />asfixiadas<br />arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através<br />dos meus sonhos<br /><br />Roberto Piva</div>
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-30306238248441771242019-11-12T18:08:00.001-03:002019-11-12T18:09:59.270-03:00Confissão<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Não amei bastante meu semelhante,<br />
não catei o verme nem curei a sarna.<br />
Só proferi algumas palavras,<br />
melodiosas, tarde , ao voltar da festa.<br />
<br />
Dei sem dar e beijei sem beijo.<br />
(Cego é talvez quem esconde os olhos<br />
embaixo do catre.) E na meia-luz<br />
tesouros fanam-se, os mais excelentes.<br />
<br />
Do que restou, como compor um homem<br />
e tudo o que ele implica de suave,<br />
de concordâncias vegetais, murmúrios<br />
de riso, entrega, amor e piedade?<br />
<br />
Não amei bastante sequer a mim mesmo,<br />
contudo próximo. Não amei ninguém.<br />
Salvo aquele pássaro -vinha azul e doido-<br />
que se esfacelou na asa do avião.<br />
<br />
Carlos Drummond de Andrade</div>
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-51405585935849044782019-10-31T19:35:00.001-03:002019-10-31T19:49:57.215-03:00Como você se sente?<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como vc se sente?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Num vão vazio entre duas paredes úteis...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como vc se sente?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Um mariposa queimando asas na luz, fugindo da escuridão...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como vc se sente?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Num discurso importante sufocado por vozes e vaias...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como vc se sente?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Um toque no ombro que escarnece, em pedido de atenção...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como vc se sente?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Encolhido entre risos sinceros e cômicos...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como vc se sente?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Passando num buraco em direção a água, entalado...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como vc se sente?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Uma peça nova de uma máquina sucateada e obsoleta...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como vc se sente?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Armadilhado num corpo sem saber como sair...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como vc se sente?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?Como vc se sente?..........</span></div>
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-48493500906421121692018-05-30T22:08:00.001-03:002019-03-30T15:03:42.477-03:00Bertold Brecht<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Nós pedimos com insistência<br />
Nunca digam: "isso é natural"<br />
Diante dos acontecimentos de cada dia<br />
Numa época em que reina a confusão<br />
Em que corre sangue<br />
Em que se ordena a desordem<br />
Em que o arbitrário tem força de lei<br />
Em que a humanidade se desumaniza<br />
Nunca digam: "isso é natural".<br />
Estranhem o que não for estranho<br />
Tomem por inexplicável o habitual<br />
Sintam-se perplexos ante o cotidiano<br />
Tratem de achar um remédio<br />
Para o abuso<br />
Mas não se esqueçam<br />
De que o abuso é sempre a regra<br />
Desconfie do mais trivial, na aparência singela<br />
Imagine o que parece habitual.<br />
Suplicamos expressamente:<br />
não aceite o que é de hábito como coisa natural,<br />
pois em tempos de desordem sangrenta,<br />
de confusão organizada,<br />
de arbitrariedade consciente,<br />
de humanidade desumanizada,<br />
nada deve parecer natural<br />
nada deve parecer impossível de mudar.<br />
<br />
Bertold Brecht</div>
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-30421814265499318862016-08-26T08:08:00.001-03:002016-08-26T08:08:27.681-03:00Aos que virão depois de nós<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal">
I<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Eu vivo em tempos sombrios.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Uma linguagem sem malícia é sinal de<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
estupidez,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
uma testa sem rugas é sinal de indiferença.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Aquele que ainda ri é porque ainda não<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
recebeu a terrível notícia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que tempos são esses, quando<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
falar sobre flores é quase um crime.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Aquele que cruza tranqüilamente a rua<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
já está então inacessível aos amigos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
que se encontram necessitados?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Por acaso estou sendo poupado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Dizem-me: come e bebe!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Fica feliz por teres o que tens!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mas como é que posso comer e beber,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
se o copo de água que eu bebo, faz falta a<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
quem tem sede?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Eu queria ser um sábio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Manter-se afastado dos problemas do mundo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
e sem medo passar o tempo que se tem para<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
viver na terra;<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Seguir seu caminho sem violência,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
pagar o mal com o bem,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Sabedoria é isso!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mas eu não consigo agir assim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
É verdade, eu vivo em tempos sombrios!<br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
II<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Eu vim para a cidade no tempo da desordem,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
quando a fome reinava.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Eu vim para o convívio dos homens no tempo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
da revolta<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
e me revoltei ao lado deles.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Assim se passou o tempo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
que me foi dado viver sobre a terra.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Eu comi o meu pão no meio das batalhas,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
deitei-me entre os assassinos para dormir,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Fiz amor sem muita atenção<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
e não tive paciência com a natureza.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Assim se passou o tempo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
que me foi dado viver sobre a terra.<br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
III<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Vocês, que vão emergir das ondas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
em que nós perecemos, pensem,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
quando falarem das nossas fraquezas,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
nos tempos sombrios<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
de que vocês tiveram a sorte de escapar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Nós existíamos através da luta de classes,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
mudando mais seguidamente de países que de<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
sapatos, desesperados!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
quando só havia injustiça e não havia revolta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Nós sabemos:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
o ódio contra a baixeza<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
também endurece os rostos!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A cólera contra a injustiça<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
faz a voz ficar rouca!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Infelizmente, nós,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
que queríamos preparar o caminho para a<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
amizade,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mas vocês, quando chegar o tempo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
em que o homem seja amigo do homem,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
pensem em nós<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
com um pouco de compreensão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
...<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Bertold Brecht<o:p></o:p></div>
</div>
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-52931574027763507142016-08-17T17:13:00.001-03:002019-11-05T18:45:32.046-03:00Álvaro de Campos<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?<br />És importante para ti, porque é a ti que te sentes.<br />És tudo para ti, porque para ti és o universo,<br />E o próprio universo e os outros<br />Satélites da tua subjetividade objetiva.<br />És importante para ti porque só tu és importante para ti.<br />E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?<br /><br />Álvaro de Campos</div>
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-53846798412012777952016-08-16T09:07:00.002-03:002020-10-21T09:48:13.783-03:00Mulher nua<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Mulher nua, mulher negra envolvida com tua cor, que é vida...<br />Mulher nua, mulher nua, mulher sombra, fruto maduro de carne firme, êxtase turvo de vinho negro.<br />Escuta o mundo branco horrivelmente lasso de seu imenso esforço.<br />Escuta estes senhores da cidade, meros animais de nossa fauna.<br />Nem sequer animais!<br />Senhores compenetrados que já não sabem dançar à noite sob o luar, que já não sabem andar sobre a carne de seus pés, que já não sabem contar histórias noite adentro.<br />Mulher nua, mulher nua, mulher negra, mulher negra envolvida com tua cor, que é vida!<br />Tenha piedade de nossos vencedores oniscientes e ingênuos!<br /><br />Léopold Sédar Senghor(presidente do Senegal)</div>
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-891585677026446992015-10-06T10:09:00.000-03:002015-10-06T10:09:16.079-03:00<br />
Quero ignorado, e calmo<br />
Por ignorado, e próprio<br />
Por calmo, encher meus dias<br />
De não querer mais deles<br />
Aos que a riqueza toca<br />
O ouro irrita a pele.<br />
Aos que a fama bafeja<br />
Embacia-se a vida.<br />
Aos que a felicidade<br />
É sol, virá a noite.<br />
Mas ao que nada espera<br />
Tudo que vem é grato.<br />
Fernando Pessoa<br />
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-91561669874110330992015-10-06T09:55:00.001-03:002015-10-06T10:01:53.780-03:00<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"> Creio no mundo como num malmequer,<br />
Porque o vejo. Mas não penso nele<br />
Porque pensar é não compreender...<br />
O Mundo não se fez para pensarmos nele<br />
(Pensar é estar doente dos olhos)<br />
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...<br />
Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...<br />
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,<br />
Mas porque a amo, e amo-a por isso<br />
Porque quem ama nunca sabe o que ama<br />
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...<br />
Fernando Pessoa</div>Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-4453166910117660862013-11-06T12:03:00.002-03:002013-11-06T12:03:47.804-03:00Os Últimos Dias<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal">
Que a terra há de comer,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mas não coma já.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ainda se mova,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
para o ofício e a posse.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E veja alguns sítios<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
antigos, outros inéditos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sinta frio, calor, cansaço:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
para um momento; continue.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Descubra em seu movimento<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
forças não sabidas, contatos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O prazer de estender-se; o de<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
enrolar-se, ficar inerte.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Prazer de balanço, prazer de vôo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Prazer de ouvir música;<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
sobre o papel deixar que a mão deslize.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Irredutível prazer dos olhos;<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
certas cores: como se desfazem, como aderem;<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
certos objetos, diferentes a uma luz nova.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Que ainda sinta cheiro de fruta,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
de terra na chuva, que pegue,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
que imagine e grave, que lembre.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O tempo de conhecer mais algumas pessoas,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
de aprender como vivem, de ajudá-las.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
De ver passar este conto: o vento<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
balançando a folha; a sombra<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
da árvore, parada um instate<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
alongando-se com o sol, e desfazendo-se<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
numa sombra maior, de estrada sem trânsito.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E de olhar esta folha, se cai.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Na queda retê-la. Tão seca, tão morna.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Tem na certa um cheiro, particular entre mil.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um desenho, que se produzirá ao infinito,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
e cada folha é uma diferente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E cada instante é diferente, e cada<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
homem é diferente, e somos todos iguais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
No mesmo ventre o escuro inicial, na mesma terra<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
o silêncio global, mas não seja logo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Antes dele outros silêncios penetrem,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
outras solidões derrubem ou acalentem<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
meu peito; ficar parado em frente desta estátua: é um<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
torso de mil anos, recebe minha visita, prolonga<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
para trás meu sopro, igual a mim<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
na calma, não importa o mármore, completa-me.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O tempo de saber que alguns erros caíram, e a raiz<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
da vida ficou mais forte, e os naufrágios<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
não cortaram essa ligação subterrânea entre homens e coisas;<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
que os objetos continuam, e a trepidação incessante<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
não desfigurou o rosto dos homens;<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
que somos todos irmãos, insisto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Em minha falta de recursos para dominar o fim,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
entrentanto me sinta grande, tamanho de criança, tamanho de
torre,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
tamanho da hora, que se vai acumulando século após século e
causa vertigem,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
tamanho de qualquer João, pois somos todos irmãos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E a tristeza de deixar os irmãos me faça desejar<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
partida menos imediata. Ah, podeis rir também,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
não da dissolução, mas do fato de alguém resistir-lhe,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
de outros virem depois, de todos sermos irmãos,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
no ódio, no amor, na incompreensão e no sublime<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
cotidiano, tudo, mas tudo é nosso irmão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O tempo de despedir-me e contar<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
que não espero outra luz além da que nos envolveu<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
dia após dia, noite em seguida a noite, fraco pavio,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
pequena amplo fulgurante, facho lanterna, faísca,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
estrelas reunidas, fogo na mata, sol no mar,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
mas que essa luz basta, a vida é bastante, que o tempo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
é boa medida, irmãos, vivamos o tempo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A doença não me intimide, que ela não possa<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
chegar até aquele ponto do homem onde tudo se explica.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Uma parte de mim sofre, outra pede amor,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
outra viaja, outra discute, uma última trabalha,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
sou todas as comunicações, como posso ser triste?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A tristeza não me liquide, mas venha também<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
na noite de chuva, na estrada lamacenta, no bar fechando-se,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
que lute lealmente com sua presa,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
e reconheça o dia entrando em explosões de confiança,
esquecimento, amor,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
ao fim da batalha perdida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Este tempo, e não outro, sature a sala, banhe os livros, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
nos bolsos, nos pratos se insinue: com sórdido ou potente
clarão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E todo o mell dos domingos se tire;<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
o diamante dos sábados, a rosa<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
de terça, a luz de quinta, a mágica<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
de horas matinais, que nós mesmos elegemos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
para nossa pessoal despesa, essa parte secreta<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
de cada um de nós, no tempo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E que a hora esperada não seja vil, manchada de medo, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
submissão ou cálculo. Bem sei, um elemento de dor<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
rói sua base. Será rígida, sinistra, deserta,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
mas não a quero negando as outras horas nem as palavras<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
ditas antes com voz firme, os pensamentos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
maduramente pensados, os atos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
que atrás de si deixaram situações.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que o riso sem boca não a aterrorize<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
e a sombra da cama calcária não a encha de súplicas, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
dedos torcidos, lívido<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
suor de remorso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E a matéria se veja acabar: adeus composição<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
que um dia se chamou Carlos Drummond de Andrade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Adeus, minha presença, meu olhar e minas veias grossas,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
meus sulcos no travesseiro, minha sombra no muro, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
sinal meu no rosto, olhos míopes, objetos de uso pessoal,
idéia de justiça, revolta e sono, adeus,<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
adeus, vida aos outros legada.<br /><br />Carlos Drummond de Andrade</div>
</div>
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-89421865016529585202013-10-21T00:53:00.000-03:002013-11-06T12:04:30.017-03:00Mais-que-perfeita Bromélia.Ela não poderia mostrar quem era.<br />
Sofria, calava, fingia na espera,<br />
Espera de ver refletido na esfera<br />
O ser que se é, desnudo; pudera?<br />
Quem sabe dizer? É flor ou é fera?<br />
Os dois, talvez; valente quimera...<br />
Enfrenta problemas com força sincera,<br />
Mas falta sair da bolha que gera<br />
Questões tão profundas que há anos impera<br />
E faz o abismo mesclar com a cratera.<br />
<br />
Ela vê o amor, ou melhor: bem enxerga,<br />
Mas dentro da bolha, é somente paquera.<br />
Se o vulcão explodir nesta atmosfera<br />
O mundo verá uma flor de bromélia,<br />
Tão sábia e imortal como nunca houvera<br />
Abrindo o início, talvez, de uma era.<br />
Quem dera...<br />
<br />
<div style="text-align: right;">
Manoelito Filho</div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-29429775467326444122013-10-13T02:01:00.003-03:002013-10-13T02:01:55.086-03:00O Operário em Construção<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal">
E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num
momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me
foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E Jesus, respondendo, disse-lhe:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor
teu Deus e só a Ele servirás.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Lucas, cap. V, vs. 5-8.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Era ele que erguia casas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Onde antes só havia chão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Como um pássaro sem asas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ele subia com as casas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que lhe brotavam da mão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mas tudo desconhecia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De sua grande missão:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Não sabia, por exemplo,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que a casa de um homem é um templo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um templo sem religião<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Como tampouco sabia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que a casa que ele fazia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Sendo a sua liberdade<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Era a sua escravidão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
De fato, como podia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um operário em construção<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Compreender por que um tijolo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Valia mais do que um pão?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Tijolos ele empilhava<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Com pá, cimento e esquadria<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Quanto ao pão, ele o comia...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mas fosse comer tijolo!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E assim o operário ia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Com suor e com cimento<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Erguendo uma casa aqui<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Adiante um apartamento<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Além uma igreja, à frente<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um quartel e uma prisão:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Prisão de que sofreria<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Não fosse, eventualmente<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um operário em construção.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas ele desconhecia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Esse fato extraordinário:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que o operário faz a coisa<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E a coisa faz o operário.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De forma que, certo dia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
À mesa, ao cortar o pão<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O operário foi tomado<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De uma súbita emoção<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ao constatar assombrado<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que tudo naquela mesa<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Garrafa, prato, facão - <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Era ele quem os fazia <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ele, um humilde operário, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um operário em construção. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Olhou em torno: gamela <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Banco, enxerga, caldeirão <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Vidro, parede, janela <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Casa, cidade, nação! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Tudo, tudo o que existia <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Era ele quem o fazia <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ele, um humilde operário <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um operário que sabia <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Exercer a profissão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ah, homens de pensamento <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Não sabereis nunca o quanto <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Aquele humilde operário <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Soube naquele momento! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Naquela casa vazia <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que ele mesmo levantara <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um mundo novo nascia <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De que sequer suspeitava. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O operário emocionado <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Olhou sua própria mão <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Sua rude mão de operário <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De operário em construção <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E olhando bem para ela <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Teve um segundo a impressão <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De que não havia no mundo <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Coisa que fosse mais bela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Foi dentro da compreensão<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Desse instante solitário<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que, tal sua construção<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Cresceu também o operário.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Cresceu em alto e profundo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Em largo e no coração<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E como tudo que cresce<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ele não cresceu em vão<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Pois além do que sabia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Exercer a profissão -<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O operário adquiriu<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Uma nova dimensão:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A dimensão da poesia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E um fato novo se viu<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que a todos admirava:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O que o operário dizia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Outro operário escutava.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E foi assim que o operário<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Do edifício em construção<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que sempre dizia sim<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Começou a dizer não.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E aprendeu a notar coisas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A que não dava atenção:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Notou que sua marmita<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Era o prato do patrão<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que sua cerveja preta<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Era o uísque do patrão<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que seu macacão de zuarte<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Era o terno do patrão<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que o casebre onde morava<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Era a mansão do patrão<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que seus dois pés andarilhos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Eram as rodas do patrão<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que a dureza do seu dia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Era a noite do patrão<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que sua imensa fadiga<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Era amiga do patrão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E o operário disse: Não!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E o operário fez-se forte<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Na sua resolução.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Como era de se esperar<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
As bocas da delação<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Começaram a dizer coisas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Aos ouvidos do patrão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mas o patrão não queria<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Nenhuma preocupação<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- "Convençam-no" do contrário -<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Disse ele sobre o operário<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E ao dizer isso sorria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Dia seguinte, o operário<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ao sair da construção<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Viu-se súbito cercado<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Dos homens da delação<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E sofreu, por destinado<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Sua primeira agressão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Teve seu rosto cuspido<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Teve seu braço quebrado<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mas quando foi perguntado<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O operário disse: Não!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Em vão sofrera o operário<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Sua primeira agressão<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Muitas outras se seguiram<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Muitas outras seguirão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Porém, por imprescindível<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ao edifício em construção<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Seu trabalho prosseguia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E todo o seu sofrimento<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Misturava-se ao cimento<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Da construção que crescia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sentindo que a violência<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Não dobraria o operário<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um dia tentou o patrão<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Dobrá-lo de modo vário.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De sorte que o foi levando<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ao alto da construção<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E num momento de tempo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mostrou-lhe toda a região<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E apontando-a ao operário<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Fez-lhe esta declaração:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Dar-te-ei todo esse poder<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E a sua satisfação<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Porque a mim me foi entregue<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E dou-o a quem bem quiser.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Dou-te tempo de lazer<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Dou-te tempo de mulher.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Portanto, tudo o que vês<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Será teu se me adorares<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E, ainda mais, se abandonares<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O que te faz dizer não.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Disse, e fitou o operário<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que olhava e que refletia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mas o que via o operário<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O patrão nunca veria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O operário via as casas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E dentro das estruturas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Via coisas, objetos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Produtos, manufaturas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Via tudo o que fazia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O lucro do seu patrão<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E em cada coisa que via<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Misteriosamente havia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A marca de sua mão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E o operário disse: Não!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Loucura! - gritou o patrão<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Não vês o que te dou eu?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Mentira! - disse o operário<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Não podes dar-me o que é meu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E um grande silêncio fez-se<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Dentro do seu coração<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um silêncio de martírios<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um silêncio de prisão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um silêncio povoado<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De pedidos de perdão<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um silêncio apavorado<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Com o medo em solidão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Um silêncio de torturas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E gritos de maldição<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um silêncio de fraturas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A se arrastarem no chão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E o operário ouviu a voz<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De todos os seus irmãos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Os seus irmãos que morreram<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Por outros que viverão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Uma esperança sincera<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Cresceu no seu coração<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E dentro da tarde mansa<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Agigantou-se a razão<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De um homem pobre e esquecido<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Razão porém que fizera<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Em operário construído<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O operário em construção.</div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Vinicius de Moraes</div>
</div>
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-28803916338698843142013-10-06T22:51:00.003-03:002013-10-06T22:51:28.714-03:00Tenho tanto sentimento...<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal">
Tenho tanto sentimento<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que é freqüente persuadir-me<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De que sou sentimental,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mas reconheço, ao medir-me,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que tudo isso é pensamento,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que não senti afinal.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Temos, todos que vivemos,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Uma vida que é vivida<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E outra vida que é pensada,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E a única vida que temos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
É essa que é dividida<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Entre a verdadeira e a errada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Qual porém é a verdadeira<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E qual errada, ninguém<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Nos saberá explicar;<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E vivemos de maneira<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que a vida que a gente tem<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
É a que tem que pensar.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Fernando Pessoa</div>
</div>
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-17705727104485345252013-10-06T22:26:00.002-03:002013-10-06T22:26:39.041-03:00Não sei quantas almas tenho.<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal">
Não sei quantas almas tenho. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Cada momento mudei. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Continuamente me estranho. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Nunca me vi nem acabei. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De tanto ser, só tenho alma. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Quem tem alma não tem calma. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Quem vê é só o que vê, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Quem sente não é quem é,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Atento ao que sou e vejo, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Torno-me eles e não eu. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Cada meu sonho ou desejo <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
É do que nasce e não meu. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Sou minha própria paisagem; <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Assisto à minha passagem, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Diverso, móbil e só, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Não sei sentir-me onde estou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Por isso, alheio, vou lendo <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Como páginas, meu ser. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O que segue não prevendo, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O que passou a esquecer. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Noto à margem do que li <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O que julguei que senti.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Releio e digo: "Fui eu ?"<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Deus sabe, porque o escreveu.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Fernando Pessoa</div>
</div>
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-34112228362076700192013-10-01T09:49:00.002-03:002013-10-01T09:49:31.671-03:00A Internacional<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal">
De pé, ó vitimas da fome!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De pé, famélicos da terra!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Da idéia a chama já consome<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A crosta bruta que a soterra.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Cortai o mal bem pelo fundo!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De pé, de pé, não mais senhores!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Se nada somos neste mundo,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Sejamos tudo, oh produtores!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Bem unido façamos,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Nesta luta final,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Uma terra sem amos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A Internacional<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Senhores, patrões, chefes supremos,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Nada esperamos de nenhum!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Sejamos nós que conquistemos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A terra mãe livre e comum!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Para não ter protestos vãos,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Para sair desse antro estreito,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Façamos nós por nossas mãos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Tudo o que a nós diz respeito!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Bem unido façamos,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Nesta luta final,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Uma terra sem amos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A Internacional<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Crime de rico a lei cobre,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O Estado esmaga o oprimido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Não há direitos para o pobre,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ao rico tudo é permitido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
À opressão não mais sujeitos!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Somos iguais todos os seres.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Não mais deveres sem direitos,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Não mais direitos sem deveres!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Bem unido façamos,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Nesta luta final,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Uma terra sem amos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A Internacional<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Abomináveis na grandeza,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Os reis da mina e da fornalha<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Edificaram a riqueza<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Sobre o suor de quem trabalha!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Todo o produto de quem sua<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A corja rica o recolheu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Querendo que ela o restitua,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O povo só quer o que é seu!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Bem unido façamos,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Nesta luta final,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Uma terra sem amos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A Internacional<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Nós fomos de fumo embriagados,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Paz entre nós, guerra aos senhores!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Façamos greve de soldados!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Somos irmãos, trabalhadores!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Se a raça vil, cheia de galas,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Nos quer à força canibais,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Logo verrá que as nossas balas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
São para os nossos generais!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Bem unido façamos,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Nesta luta final,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Uma terra sem amos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A Internacional<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Pois somos do povo os ativos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Trabalhador forte e fecundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Pertence a Terra aos produtivos;<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ó parasitas deixai o mundo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ó parasitas que te nutres<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Do nosso sangue a gotejar,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Se nos faltarem os abutres<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Não deixa o sol de fulgurar!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Bem unido façamos,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Nesta luta final,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Uma terra sem amos<br /><br />Ignoro o autor, quem souber deixe nos comentários...</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-75337491542663099132013-09-21T03:13:00.002-03:002013-09-21T03:13:39.153-03:00Meninos Suicidas<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal">
Um acabar seco, sem eco,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
de papel rasgado<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
(nem sequer escrito):<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
assim nos deixaram antes<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
que pudéssemos decifrá-los,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
ao menos, ao menos isso,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
já não digo... amá-los.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Assim nos deixaram e se deixaram<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
ir sem confiar-nos um traço<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
retorcido ou reto de passagem:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
pisando sem pés em chão de fumo,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
rindo talvez de sua esbatida<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
miragem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não se feriram no próprio corpo,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
mas neste em que sobrevivemos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Em nosso peito as punhaladas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
sem marca - sem sangue - até sem dor<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
contam que nós é que morremos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
e são eles que nos mataram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Carlos Drummond de Andrade</div>
</div>
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-38317392385874393242013-09-18T11:18:00.001-03:002013-09-18T11:18:52.381-03:00Nu, na chuva...De baixo de seus contra-chuvas de ouro, prata, bronze e ferro<br />Eles caminham sob a chuva que não guardam<br />E passeio entre os meus...<br />Sentindo os pingos.<br /><br />Observam com desdém, desprezo, olhares<br />Meu andar entre eles<br />-Loucura?! -Insensatez?! -Tristeza?!<br />Pobreza, a ponto de não ter um 'guarda-chuva'?!<br /><br />Desconhecem o segredo de andar na chuva<br />sem repeli-la, em desassossego...<br />Na chuva choro em público todas as faltas<br />Desgostos e injustiças que sofrem.<br />Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-26488747558559565502013-09-16T23:46:00.001-03:002013-09-16T23:47:00.643-03:00Há metafisica bastante em não pensar em nada.<div class="MsoNormal">
Há metafísica bastante em não pensar em nada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O que penso eu do
mundo? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Sei lá o que
penso do mundo! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Se eu adoecesse
pensaria nisso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Que idéia tenho
eu das cousas? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que opinião tenho
sobre as causas e os efeitos? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que tenho eu
meditado sobre Deus e a alma <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E sobre a criação
do Mundo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E não pensar. É
correr as cortinas <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Da minha janela
(mas ela não tem cortinas).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O mistério das
cousas? Sei lá o que é mistério! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O único mistério
é haver quem pense no mistério. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Quem está ao sol
e fecha os olhos, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Começa a não
saber o que é o sol <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E a pensar muitas
cousas cheias de calor. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mas abre os olhos
e vê o sol, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E já não pode
pensar em nada, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Porque a luz do
sol vale mais que os pensamentos <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De todos os
filósofos e de todos os poetas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A luz do sol não
sabe o que faz <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E por isso não
erra e é comum e boa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A de serem verdes
e copadas e de terem ramos <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E a de dar fruto
na sua hora, o que não nos faz pensar, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A nós, que não
sabemos dar por elas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mas que melhor
metafísica que a delas, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Que é a de não
saber para que vivem <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Nem saber que o
não sabem?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
"Constituição íntima das cousas"... <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
"Sentido
íntimo do Universo"... <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Tudo isto é
falso, tudo isto não quer dizer nada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
É incrível que se
possa pensar em cousas dessas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
É como pensar em razões e fins <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Quando o começo
da manhã está raiando, e pelos lados das árvores <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um vago ouro
lustroso vai perdendo a escuridão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Pensar no sentido
íntimo das cousas <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
É acrescentado,
como pensar na saúde <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ou levar um copo
à água das fontes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O único sentido
íntimo das cousas <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
É elas não terem
sentido íntimo nenhum. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Não acredito em
Deus porque nunca o vi. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Se ele quisesse
que eu acreditasse nele, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Sem dúvida que
viria falar comigo <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E entraria pela
minha porta dentro <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Dizendo-me, Aqui
estou!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
(Isto é talvez
ridículo aos ouvidos <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De quem, por não
saber o que é olhar para as cousas, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Não compreende
quem fala delas <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Com o modo de
falar que reparar para elas ensina.)<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas se Deus é as
flores e as árvores <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E os montes e sol
e o luar, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Então acredito
nele, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Então acredito
nele a toda a hora, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E a minha vida é
toda uma oração e uma missa, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E uma comunhão
com os olhos e pelos ouvidos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas se Deus é as
árvores e as flores <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E os montes e o
luar e o sol, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Para que lhe
chamo eu Deus? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Chamo-lhe flores
e árvores e montes e sol e luar; <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Porque, se ele se
fez, para eu o ver, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Sol e luar e
flores e árvores e montes, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Se ele me aparece
como sendo árvores e montes <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E luar e sol e
flores, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
É que ele quer
que eu o conheça <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Como árvores e
montes e flores e luar e sol. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E por isso eu
obedeço-lhe, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si
próprio?). <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Obedeço-lhe a
viver, espontaneamente, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Como quem abre os
olhos e vê, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E chamo-lhe luar
e sol e flores e árvores e montes, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E amo-o sem
pensar nele, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E penso-o vendo e
ouvindo, <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
E ando com ele a
toda a hora.<br /><br /> Alberto Caieiro</div>
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-17018610421674741412013-09-14T23:31:00.001-03:002013-09-14T23:36:19.113-03:00Aos Não-Mascarados<div class="MsoNormal">
Carne, ossos, revolta, insuficiência<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O que tem debaixo da mascara? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Filh@s, pais, irmãos e irmãs<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O que tem debaixo da mascara?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Em meio a neblina branca ardente e que nos cega os olhos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Em meio ao som suave das sirenes que nos ensurdece<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Em meio a gritos entalados por bombas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Em meio ao medo que nos faz enxergar<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Em meio a raiva que nos faz RESISTIR<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Em meio a dor da facada do inimigo que não podemos ver<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Em meio ao sangue, a falta de ar,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A falta de ser<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A falta do que?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O que tem debaixo da mascara?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
VOCÊ!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Setembro <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Daniel Barreto</div>
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-62051884789303889832013-08-27T23:52:00.002-03:002013-08-27T23:54:24.891-03:00A Bomba<div>
A bomba</div>
<div>
é uma flor de pânico apavorando os floricultores</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
é o produto quintessente de um laboratório falido</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
é estúpida é ferotriste é cheia de rocamboles</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
é grotesca de tão metuenda e coça a perna</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
dorme no domingo até que os morcegos esvoacem</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
não tem preço não tem lugar não tem domicílio</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
amanhã promete ser melhorzinha mas esquece</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
não está no fundo do cofre, está principalmente onde não está</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
mente e sorri sem dente</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
vai a todas as conferências e senta-se de todos os lados</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
é redonda que nem mesa redonda, e quadrada</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
tem horas que sente falta de outra para cruzar</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
multiplica-se em ações ao portador e portadores sem ação</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
chora nas noites de chuva, enrodilha-se nas chaminés</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
faz week-end na Semana Santa</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
tem 50 megatons de algidez por 85 de ignomínia</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
industrializou as térmites convertendo-as em balísticos interplanetários</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
sofre de hérnia estranguladora, de amnésia, de mononucleose, de verborréia</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
não é séria, é conspicuamente tediosa</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
envenena as crianças antes que comece a nascer</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
continnua a envenená-las no curso da vida</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
respeita os poderes espirituais, os temporais e os tais</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
pula de um lado para outro gritando: eu sou a bomba</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
é um cisco no olho da vida, e não sai</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
é uma inflamação no ventre da primavera</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
tem a seu serviço música estereofônica e mil valetes de ouro, cobalto e ferro além da comparsaria</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
tem supermercado circo biblioteca esquadrilha de mísseis, etc.</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
não admite que ninguém acorde sem motivo grave</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
quer é manter acordados nervosos e sãos, atletas e paralíticos</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
mata só de pensarem que vem aí para matar</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
dobra todas as línguas à sua turva sintaxe</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
saboreai a morte com marshmallow</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
arrota impostura e prosopéia política</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
cria leopardos no quintal, eventualmente no living</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
é podre</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
gostaria de ter remorso para justificar-se mas isso lhe é vedado</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
pediu ao Diabo que a batizasse e a Deus que lhe validasse o batismo</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
declare-se balança de justiça arca de amor arcanjo de fraternidade</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
tem um clube fechadíssimo</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
pondera com olho neocrítico o Prêmio Nobel</div>
<div>
A bomba é russamenricanenglish mas agradam-lhe eflúvios de Paris</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
oferece de bandeja de urânio puro, a título de bonificação, átomos de paz</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
não terá trabalho com as artes visuais, concretas ou tachistas</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
desenha sinais de trânsito ultreletrônicos para proteger velhos e criancinhas</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
não admite que ninguém se dê ao luxo de morrer de câncer</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
é câncer</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
vai à Lua, assovia e volta</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
reduz neutros e neutrinos, e abana-se com o leque da reação em cadeia</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
está abusando da glória de ser bomba</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
não sabe quando, onde e porque vai explodir, mas preliba o instante inefável</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
fede</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
é vigiada por sentinelas pávidas em torreões de cartolina</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
com ser uma besta confusa dá tempo ao homem para que se salve</div>
<div>
A bomba</div>
<div>
não destruirá a vida</div>
<div>
O homem</div>
<div>
(tenho esperança) liquidará a bomba.</div>
<div>
Carlos Drummond de Andrade</div>
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3104115439535575843.post-10535438317856824372013-07-09T13:35:00.003-03:002013-07-09T13:35:39.262-03:00 Salário do Poeta<div class="MsoNormal">
Estrofes de tristeza e de amargura<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Relutam, mas não soltam o poeta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Coitado, pois é alma que vegeta<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Varrendo pastos magros, sem ternura.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Olhai por essa alma, que ela injeta<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
As cores de Monet na dor escura...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Olhai, divino mestre, como é dura<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A flor que ora cheira e ora espeta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Tende piedade dos que sentem<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mais do que os outros que, normais,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Tem o coração sereno, em paz.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Nós, poetas tristes, nada mais,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Vemos o amor só em postais,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E milhões de juras que nos mentem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Carlos Witalo</div>
Darlã Fagundeshttp://www.blogger.com/profile/12182624671240214549noreply@blogger.com0